quinta-feira, 29 de maio de 2008

Cinza.

Decidiu não mais espera-lo. Daquele momento em diante os segundos em sua ausência não seriam contados minuciosamente, nem aguardaria impacientemente para estar em sua presença. Entendia que aquela decisão mudaria tudo, pois estaria emocionalmente sozinha desde então. Esta certeza lhe deprimia, não queria estar só.

O que faria agora que não se doaria a ninguém além de si mesma lhe tirava o sono. Tudo seria tão vazio, triste e cinza. Tinha certeza que por um bom tempo nada teria sentido e por dias não faria nada além de dedicar seus momentos à reflexão de algo já refletido e finalizado, mas mesmo assim o faria para tentar provar o quanto estava errada ou, como provavelmente ocorreria, o quanto estava certa e, em diálogos (na verdade monólogos) que teria consigo mesma esperava encontrar seu equilíbrio e o ânimo de seguir em frente.

Escreveu-lhe uma carta simples e sem rodeios dizendo-lhe o quanto sentia ter de afastar-se. Despedia-se com uma curta frase, um seco "até logo". Leu o que escrevera e arrependeu-se por um segundo, deixando rolar pela face algumas lágrimas então, segurando firmemente a carta em suas mãos, inspirou fundo como se fosse o ultimo ar que inalaria e, com um ato de fraqueza e certa covardia, levou a carta até a mesa de seu destinatário e lá a deixou para que fosse lida.

terça-feira, 27 de maio de 2008

Sem meio e fim.

Era um incomodo dilacerante, nada vinha à sua mente, todos os pensamentos tinham sido afastados de si bem quando achava que os tinha domado e catalogado. Aquela estranheza lhe levava a pensar, mas nada muito inteligível, eram apenas imagens soltas: inícios sem meio e fim.

Tentou usar várias vezes sua criatividade, mas ela também havia se exaurido. Não adiantava chorar, reclamar, fazer beiçinho ou tomar qualquer atitude infantil. Nem os filmes na televisão nem as novelas com suas tramas ajudariam.

Apelou para as amigas, mas nem uma soube dar-lhe uma direção. Rabiscou umas palavras e por fim, desistiu.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

O Sorriso.

Não era ódio, apesar de sentir o latejar de suas veias e os olhos ardentes como a chama do isqueiro que acendia seu cigarro lentamente. De acordo com seus valores, na maior parte do tempo, justos e corretos, sentia-se mais confortável ao definir o sentimento como um rancor ou um forte desejo passional de transformar vasos, porta-retratos, espelhos e tudo mais que pudesse segurar em suas mãos por um tempo breve o suficiente para arremessar e transformar em cacos e destroços.

Ao olhar alguém que por ela passava, projetava um meigo e, as vezes até doce sorriso que aprendera ainda cedo, na adolescencia, quando após sua primeira decepção percebeu que uma máscara lhe caia melhor do que a verdade e seus espinhos. Era um dom, pensava, quase uma arte. Quem olharia seus olhos amendoados e recusaria acreditar neles?

Queria gritar, mas permitia ter sua explosão contida através de risadas que se forçava a produzir de uma maneira perfeitamente convincente. Por vários instantes sentiu lágrimas ensaiarem uma queda de seus olhos e, a cada necessidade de choro, que via como uma fraqueza imperdoável, distribuia gentilezas e suprimia seu sentimento, trantando-o como um capricho infantil que deve ser negado.

Sabia que lágrimas e cenas nervosas seriam em vão, apenas uma garantia de sua imaturidade e extrema sensibilidade, ao invés disto preferira um trago do cigarro recém acendido, juntamente com a idéia fixa de que para tudo há, eventualmente, um retorno, o que lhe aquecia o peito com um leve contentamento ao planejar sua vingança.

terça-feira, 13 de maio de 2008

O Gramado.

Os olhos tentando abrir e encarar o amanhecer com uma vontade de quem passara a noite em claro, sendo atormentado por pesadelos nada infantis de um futuro incerto e assustador, onde contos de fada são nada além de falsas promessas de um dia melhor, que permanece escondido sob a luz da ilusão.

Sentiu um pesar, era como se houvessem sido-lhe arrancadas as entranhas da esperança. Tocou seu peito, verificando se o órgão responsável por sua tristeza encontrava-se em seu devido lugar e, para seu espanto, ele parecia, à primeira vista, intacto, mas ele conseguia sentir como se fossem grãos de areia e pedregulhos, seu coração inexista, tornara-se pó e migalhas no peito fatigado.

Dirigiu-se ao banheiro e permitiu que a ducha de água morna lhe acalmasse um pouco a alma. Suprimiu algumas lágrimas que insistiam em cair e manteve-se controlado, estático de sentimentos, pelo menos é o que aparentava ao vestir seu novo terno e tentar tomar um gole de suco, enquanto pegava a chave de seu carro junto aos óculos escuros.

Dirigiu sem parar até alcançar um gramado verde e bem cuidado, ordenado por poucas flores, o qual, ao olhar, quase fez sua depressão desprender-se e liberta-lo. Caminhou um pouco depressa, pois estava atrasado. Chegou somente à tempo de entregar-lhe uma rosa e, o que esperava ser a última lágrima, juntando-se à um coro que dizia em voz alta: "Amém".

sábado, 10 de maio de 2008

Passageiro.

Tique-taque, insistia o relógio, vigilante maldito de um tempo acelerado. O que fizera para merecer tal castigo? Dizem que o problema é quando ele teima em não passar, arrastando-se a cada segundo, mas minha tortura era o oposto: ele não andava ou corria e sim, voava como uma ave fugindo do predador. Amaldiçoado seja aquele que deu-lhe o poder da velocidade.

Eu só queria poder olhar aquele rosto por mais tempo, sentir por alguns minutos o último cheiro do perfume que ainda me fazia ficar com água na boca, mesmo camuflado pelo sono e um tanto de suor. Como poderia ser-me negado o direito de ter esta distração por instantes prolongados? Teria a felicidade o destino de ser degustada, tocada, ouvida e arrancada pelo tiquetaquear de um tempo intangível?

O sol cobrindo os corpos feito um manto aconchegante no inverno deveria trazer-me conforto e, quem sabe, alegria, mas ele só continua insistindo em tirar-me o contentamento, os sonhos, os desejos, a cada momento ele se torna mais claro e minha mente mais nublada e um tanto desiludida.

Por um segundo a preocupação se esmorece: seus olhos abertos cruzando seu olhar com o meu, permitindo o brotar de um sorriso tímido em seus lábios macios, tornando minha angústia pequena, quase imperceptível, que aos poucos se transforma de euforia em saudade.

quinta-feira, 8 de maio de 2008

O Bilhete.

Beijou-lhe os lábios com uma paixão de quem se despede, entregou-lhe uma taça de seu Chardoney favorito e sentou-se no sofá a olhar fixamente em seus olhos ardentes de mentiras enquanto recordava do dia em que juraram pertencer um ao outro.

Ela estava iluminada e brilhante como um diamante valioso de valor inestimável, que le nunca poderia comprar. Tudo nela o extasiava e era com encanto que mantinha seu olhar naquela bela figura à quem estava disposto a dedicar todos os seus suspiros. Perdia-se em pensamentos sobre o quão inimaginável era tê-la junto a si, especialmente por sentir-se tão pequeno diante de sua doçura.

Hoje nem parecia a mesma. Perguntava-se onde estaria o encanto que levou-lhe a tantos devaneios e momentos em que achava seu romance como saído de uma dessas histórias de Camões, totalmente inacreditáveis de tão idealizados que são. Culpava o bilhete, aquela declaração de amor recém sentido. O que lhe havia acontecido? Por que via-se perdido? Aquela ausência de sentimentos incomodava-lhe como uma farpa no indicador.

- Sei de tudo! - Comentou com a mulher, que estremeceu ao som de cada palavra. Não era fácil encarar-lhe após esta declaração, fingiu não entender-lhe.

Lendo em voz alta o bilhete sentiu-se chocado e começou a sentar-se novamente, pálido, contrastando com o sofá de couro vermelho. Ela foi a seu encontro, beijou-lhe suavemente os lábios.

- Você escreveu para mim antes de casarmos - Disse-lhe sorrindo.

Uma lágrima caiu de seus olhos e ao olhar para a mulher à sua frente sentiu a juventude voltar a si por entre uma mistura de insanidade, desespero e sentimento: Amava-a.